
Desde tempos imemoriais o ser humano se depara com preocupações sobre o ciúme, especialmente no tocante aos conflitos e suas consequências.
Faremos aqui algumas considerações no que tange ao ciúme romântico, ou seja, aquele que ocorre entre os casais constituídos.
O que é o Ciúme Romântico?
Resumidamente, é um estado emocional complexo que envolve um sentimento de angústia. É o receio de que a pessoa amada dedique seu afeto a um rival (real ou imaginário). Representa uma manifestação de amor, como um sentimento que visa proteger o relacionamento. Entretanto, o ciúme também é capaz de destruí-lo.
Por que os casais se desentendem em virtude do ciúme?
Essa emoção é experimentada por um indivíduo que percebe que o amor, a afeição e a atenção do parceiro estão sendo dados a uma terceira parte. Ele julga que essas oportunidades deveriam estar sendo oferecidas exclusivamente a ele. A ideia de infidelidade, mesmo que não confirmada, sinaliza o ciúme em uma parceria amorosa.
O que é o Ciúme Patológico?
É o ciúme que coloca em risco o relacionamento, produzindo angústia, ódio, medo, raiva, orgulho, inveja e a baixa autoestima – tanto na parte que sente o ciúme quanto no seu alvo.
Observa-se no ciúme patológico, que não é preciso haver provas para se acusar o parceiro. Muitas vezes, a partir de fantasias irreais, o ciumento valida suas crenças e ataca o seu par românico, seja verbalmente, seja fisicamente.
No escopo artístico, os dilemas do ciúme foram muitas vezes capturados e em seguida revelados ao mundo através da mitologia, das tragédias, dos dramas, bem como nas obras de literatura, dança e pintura, algumas das quais se tornaram célebres e imortais.
Um clássico do tema é o drama Otelo – O Mouro de Veneza, de William Shakespeare. Em sua obra, o autor intitula o ciúme como o monstro dos olhos verdes. Nessa história, Otelo, envenenado de ciúme pelo astucioso Iago, deixa-se levar por um sentimento doentio, que envolve o seu melhor amigo e a sua esposa. Otelo acaba matando a honesta, terna e doce Desdêmona.
Teorias científicas do Ciúme
Teoria sócio-cognitiva do ciúme
Essa abordagem se pauta, sobretudo, em aspectos sociais e processamento cognitivo, bem como padrões de crenças e interpretações pessoais. A maior ênfase desta teoria está na relevância das experiências de vida como variáveis de influência na manifestação do ciúme e nas crenças do indivíduo.
Estas envolvem processamento de informação e são formadas durante a socialização.
A interpretação e a avaliação do indivíduo a respeito de ameaças ao relacionamento amoroso é um importante fator a ser investigado no ciúme. Pois, é a partir da interpretação que o indivíduo reage ao mundo. Portanto, o ciúme estará presente quando o indivíduo interpretar que o relacionamento está ameaçado.
Desse modo, o ciúme é entendido como um fenômeno construído ao longo da vida de cada indivíduo. Isso é o que modula a sua manifestação do comportamento, intensidade e frequência das reações, de acordo com a sua experiência adquirida.
Assim, a expectativa de ser o único na vida do ser amado desaparece quando entra um terceiro elemento na relação. Em alguns casos, o medo da perda origina ideias persecutórias, levando, possivelmente, à destruição da relação, como se a infidelidade tivesse sido consumada.
Ademais, segundo muitos autores, o ciúme e a infidelidade são algumas das preocupações mais inquietantes constatadas em pesquisas e na clínica. As pessoas são temerosas de que seus parceiros encontrem parceiros potencialmente mais atraentes e gratificantes, e, dessa forma, frequentemente alimentam uma insegurança afetiva.
A literatura também aponta que o ciúme em dose certa, serviria para fortalecer o vínculo e a estabilidade de um relacionamento amoroso. Há de se ressaltar que uma completa ausência de ciúme é danosa para um relacionamento amoroso, por geralmente implicar uma baixa adesão de pelo menos uma das partes envolvidas.
Concordando com essa linha de raciocínio, a psicologia evolutiva diz que o ciúme pode estimular uma pessoa a acalmar o parceiro, com declarações de fidelidade e ligação, contribuindo para a durabilidade do relacionamento e a satisfação de ambos.
O Ciúme na contemporaneidade
Bauman, sociólogo e filósofo conhecido por ter desenvolvido um monumental arcabouço de teorias, refletiu sobre as “relações líquidas” e o “amor líquido”, mostrando-nos que diferentes modelos e padrões de relacionamentos amorosos convivem lado a lado, com diferentes códigos e modelos.
O autor argumenta que a confiança precisa ser construída pelo casal no interior de um relacionamento que envolve dedicação, compromisso mútuo e saúde psicológica de cada parceiro, de maneira que o sentido da relação seja construído e reafirmado cotidianamente.
Dessa forma, o casal está diante de uma relação que se constrói a cada dia, ao contrário daquela quase garantia do “amor eterno” do passado. Hoje, qualquer coisa pode acontecer, principalmente o fim da relação. Podemos compreender que nessa dinâmica, alguns indivíduos busquem no controle ciumento uma tentativa de lidar com isso.
Num mundo aberto como o atual, no qual a continuidade do relacionamento amoroso é somente uma possibilidade dentre outras, a desconfiança do ciumento pode ser uma estratégia de esquiva diante da ansiedade despertada nesse arriscado reino de tantas “opções”. Para tanto, busca-se saber onde o parceiro está, com quem e como, conhecer tudo sobre seu passado, investigar o seu presente e controlar o seu futuro.
O mesmo autor assinala que:
“Quando a insegurança sobe a bordo, perde-se a confiança, a ponderação e a estabilidade da navegação. À deriva, a frágil balsa do relacionamento oscila entre as duas rochas nas quais muitas parcerias se esbarram: a submissão e o poder absolutos, a aceitação humilde e a conquista arrogante, destruindo a própria autonomia e sufocando a do parceiro. Chocar-se contra uma dessas rochas afundaria até mesmo uma boa embarcação com tripulação qualificada. O que dizer de uma balsa com um marinheiro inexperiente que, criado na era dos acessórios, nunca teve a oportunidade de aprender a arte dos reparos?”
Considerações finais
É possível que esse mecanismo tenha sido selecionado para garantir as parcerias constituídas. Entretanto, os excessos do ciúme, sobretudo quando relacionados à violência verbal ou física, acabam por complicar, em vez de facilitar os relacionamentos amorosos em andamento.
Nesse cenário, alguns se tornam vulneráveis à mordida do monstro Shakespeariano de olhos verdes. O ciúme tem uma amplitude e uma profundidade que assinala que algo precisa ser observado em nossos relacionamentos. Não admiti-lo é perder uma grande oportunidade para a reflexão e tentativa de melhorar a relação.
Se você acha que o ciúme está acima do aceitável e, sobretudo prejudicando a sua vida e dos demais à sua volta, busque ajuda. Não deixe esse sentimento destruir os seus relacionamentos.
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FONTES:
Zygmunt Bauman “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”.