Mitos Sexuais

Mitos e Problemas Sexuais

Texto escrito por Marcos A. Pereira

Sexo: todo mundo faz, mas quase ninguém fala sobre…

A dificuldade que a imensa maioria das pessoas têm ao falar sobre a própria sexualidade é algo inquietante. Esclarecendo um paradoxo: falar sobre sexo não é difícil para muitas pessoas, podendo até ser assunto recorrente em algumas rodas de conversa. Entretanto, falar da própria intimidade, isso sim, é algo desafiador.

A dificuldade está em conversar de maneira realmente espontânea e sincera com quem dividimos a cama – ou com um profissional da saúde. Seja sobre os nossos desejos, fantasias e preferências, seja sobre nossas dúvidas, expectativas e limites na hora de fazer sexo. Essa dificuldade está na base de muitas disfunções sexuais.

Se fazer sexo é algo tão essencial, tão inato e tão humano, por que não conseguimos falar sobre isso de maneira aberta e natural?

Essa resposta não é simples. Mas podemos dizer que alguns fatores influenciam e constroem – direta ou indiretamente – a maneira como enxergamos a sexualidade e como formamos nosso autoesquema sexual. Os mais importantes são:

  • as vivências individuais;
  • a percepção subjetiva do que é “certo ou errado”;
  • valores morais e religiosos;
  • as crenças e os Mitos Sexuais;
  • o medo de ser julgado;
  • a nossa biologia;
  • o tempo histórico;
  • a cultura e a sociedade.

Todos os pontos elencados acima são importantes. Todavia, Mitos Sexuais talvez sejam, isoladamente, os que mais impactam negativamente a vida sexual das pessoas. A partir deles, toda uma orquestração disfuncional se estabelece.

Pesquisas mostram que a maioria das pessoas têm algum tipo de questão na esfera sexual, sejam queixas, falhas ou disfunções. A relação entre Mitos Sexuais e problemas nessa área é altamente prevalente. Vamos entender o significado desses termos.

O que são Mitos Sexuais?

São narrativas sem nenhum fundamento lógico e objetivo. Os mitos ganham força e passam a influenciar as ideias, as emoções e os comportamentos das pessoas em termos da sexualidade, podendo gerar queixas, falhas e até disfunções. Existem centenas de Mitos Sexuais que estão arraigados no imaginário coletivo e que prejudicam sobremaneira o modo como lidamos com o sexo.

Baseado em Barlow (2009) e Sardinha (2022), vejamos alguns exemplos bem comuns de mitos sexuais:

  • Pessoas normais devem sempre se sentir muito à vontade com tudo que diz respeito a sexo;
  • Alguém que tem parceiro sexual não deveria se masturbar. Se o faz, é porque existem problemas na relação;
  • Fantasiar sobre outra coisa quer dizer que a pessoa não está feliz com o que tem;
  • O homem é responsável pelo prazer sexual da mulher;
  • A mulher é responsável pelo prazer sexual do homem;
  • Homem que gosta de receber penetração anal é homossexual;
  • Sexo só pode ser feito com amor;
  • O sexo só é prazeroso para o homem se tiver penetração vigorosa;
  • É natural ter nojo dos fluidos sexuais;
  • LGBTQIA+ são pessoas problemáticas;
  • Mulheres não ficam excitadas com estímulos eróticos/pornografia;
  • Os orgasmos vaginais são mais femininos e maduros do que os clitorianos;
  • Mulheres que não atingem o orgasmo com a penetração têm problemas;
  • O homem precisa entrar na situação sexual com o pênis já ereto;
  • Pessoas bissexuais são confusas e não sabem o que querem;
  • Homens gays afeminados são sempre passivos;
  • A expressão de gênero de mulheres lésbicas determina o quanto elas são, de fato, homossexuais;
  • É possível reverter a orientação sexual de alguém através de tratamento adequado;
  • A mulher demora mais tempo que o homem para atingir o orgasmo;
  • O homem tem que ser capaz de sustentar sua ereção tempo suficiente para que a parceira chegue ao orgasmo;
  • O orgasmo vaginal é mais prazeroso para a mulher;
  • Os membros do casal “devem saber” o que fazer para satisfazer a outra parte;
  • Perguntar o quê o parceiro (a) gosta na cama, “quebra” o romantismo;
  • Quem gosta de falar sobre sexo não tem vergonha na cara;
  • Uma mulher sexualmente responsiva sempre consegue ser excitada pelo seu parceiro;
  • Se o homem não “levanta”, é porque ele não deve amar a sua parceira;
  • Sexo é igual a intercurso, sendo a penetração o mais importante;
  • A satisfação da mulher depende do tamanho do pênis; quanto maior, melhor;
  • Homem que é homem tem bom desempenho no sexo e está sempre pronto para transar.

O que é uma Queixa Sexual?

As queixas sexuais têm relação com algum ou alguns aspectos que não estão indo bem na vida sexual do indivíduo ou do casal (lembrando que um casal pode ser constituído por relação homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher, além de os não binários). É mais subjetivo.

A queixa não impede que a relação sexual aconteça, mas gera insatisfação, frustração e, se não cuidada, bastante sofrimento. É uma situação na qual a pessoa gostaria que o sexo estivesse acontecendo de uma maneira diferente. É importante esclarecer que muitas queixas são alimentadas por Mitos Sexuais.

Por exemplo, imaginemos um casal heterossexual que acredite no mito “O homem tem que ser capaz de sustentar sua ereção tempo suficiente para que a parceira chegue ao orgasmo” (sic). No nosso exemplo, essa mulher costuma demorar para atingir o clímax; e, seu parceiro, não; ele atinge o orgasmo bem antes. Essa situação poderia levar o casal, ou uma das partes, à queixa sexual de emoções negativas, como ansiedade, raiva e tristeza.

Vejamos outros exemplos de queixas:

  • Dor na relação sexual;
  • Discrepância na frequência que cada membro do casal quer ter relação;
  • Falta de desejo;
  • Dificuldade de atingir o orgasmo;
  • Sensação de inadequação na relação sexual;
  • Sentimento de ansiedade, tristeza, tédio, raiva etc durante o sexo;
  • Percepção de que a vida sexual é pobre e insatisfatória.

O que é uma Falha Sexual?

A falha sexual é algo mais pontual. Em princípio, não é algo grave. Pode acontecer uma ou algumas vezes, mas por um breve período de tempo. É importante observar que a falha não é necessariamente uma disfunção. No entanto, dependendo da forma como o indivíduo vai lidar com a falha, algo simples pode se transformar numa disfunção grave. Vamos exemplificar para ficar mais claro:

Imaginemos um homem que teve uma perda de ereção em um dia específico. Isso pode ter acontecido por ele ter dormido mal em algumas noites ou por estar ansioso com uma determinada questão no trabalho.

Dependendo da forma como vai encarar essa falha, muitas vezes com interpretações baseadas em Mitos Sexuais, ele poderá entrar num ciclo de pensamentos distorcidos. Ideais como “O homem é responsável pelo prazer sexual da mulher” (sic) ou Homem que é homem tem bom desempenho no sexo e está sempre pronto para transar” (sic) podem gerar pensamentos catastróficos como “estou brocha, é o fim do meu casamento”.

Isso poderá alimentar uma ansiedade patológica (que não tem relação com a ansiedade que gerou a primeira falha) e, assim, impedi-lo de conseguir a resposta sexual adequada na próxima tentativa. E isso, por si só, será um mecanismo de retroalimentação da falha. Resultado: uma disfunção sexual foi gerada por uma falha. A falha sexual, por sua vez, foi agravada por Mitos Sexuais.

Certamente uma mulher poderia passar por uma situação como a descrita acima, com a única diferença de não ter a obrigação da “ereção” no ato sexual. Ela poderia, entretanto, ter dor na relação ou ter dificuldade de atingir o orgasmo, por exemplo. Essas falhas poderiam colocá-la numa espiral de emoções negativas, abrindo caminho para uma disfunção sexual.

O que é uma Disfunção Sexual?

A disfunção sexual consiste em algo mais grave. É uma situação prolongada, podendo durar meses, na qual o funcionamento original da pessoa está aquém do que era antes. Precisa ser persistente e ocorrer na maioria das vezes. Traz muito sofrimento e pode desencadear outros problemas maiores, como por exemplo, uma Depressão. É importante destacar que uma disfunção pode ter origem numa queixa ou numa falha não tratadas.

Exemplos de disfunção sexual:

  • Ejaculação prematura;
  • Disfunção erétil;
  • Vaginismo;
  • Anorgasmia (Impossibilidade de atingir o orgasmo).

***

A sexualidade humana têm passado por constantes mudanças. Há milênios, é uma das áreas de maior interesse, conflitos e desafios da humanidade. A filosofia, a religião, a medicina, a psicologia, a literatura, as ciências e outras tantas esferas do conhecimento, estão há muitos séculos colocando esforços na criação de teorias e ditames sobre a sexualidade.

Algumas dessas teorias, de maneira ainda incipiente, a partir do século XVII, vêm tentando lançar luz e compreensão às questões do sexo, a fim de normatizar essa atividade tão humana. Nessa perspectiva, temos a oportunidade de desenvolver uma visão positiva da sexualidade, elaborando nossos próprios valores e assumindo o controle e a responsabilidade na nossa vida sexual.

Outras vertentes, por outro lado, surgiram com o claro objetivo de punição, manipulação e controle de pessoas e até mesmo de sociedades inteiras, infelizmente. São ideias que associam o sexo com pecado, imoralidade, promiscuidade, desvio, loucura etc.

Este texto não tem a intenção de esgotar um assunto tão complexo e multifacetado. O objetivo é reunir algumas informações, com amparo científico, para oferecer um pouco de orientação sexual. Afinal, esse tipo de educação raras vezes é ensinado na família e nas escolas. O que acontece, na melhor das hipóteses, é uma orientação superficial com foco nas ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e nas normas do que “é certo ou errado” fazer – normas essas enviesadas justamente pelas crenças e mitos! Entendamos que sexualidade é muito, muito mais que isso.

Se a sua vida sexual não está indo bem, se você têm dúvidas ou se simplesmente gostaria de conversar sobre isso, num ambiente neutro, acolhedor e seguro, marque uma consulta clicando aqui.

Fontes para a elaboração deste texto:

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/

Barlow, D. H. (2009). Manual clínico dos Transtornos Psicológicos. (4. ed).  Porto Alegre: Artmed

Sardinha, A. (2022). 100 mitos sexuais que os profissionais de saúde acreditam. Ebook.

Sardinha, A. (2020). Terapia Cognitiva Sexual. Teoria e Prática. Campo Grande: Episteme.

Carvalho, A; Sardinha, A. (2017). Terapia Cognitiva Sexual. Uma proposta Integrativa na Psicoterapia da Sexualidade. Rio de Janeiro: Editora Cognitiva.

DSM V – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais