Texto escrito por Marcos A. Pereira
A seguir, falaremos sobre alguns conceitos que envolvem a sexualidade humana: sexo biológico, orientação sexual (ou orientação do desejo), identidade de gênero e expressão de gênero.
Os Quatro Pilares da Sexualidade
1-Sexo biológico:
além das características anatômicas e funcionais do aparelho sexual e reprodutivo, também engloba hormônios e cromossomos. A partir do momento do nascimento de um indivíduo – e até antes –, dependendo se o seu sexo é biologicamente masculino ou feminino, passará a receber determinados tipos de reforços da família, num primeiro momento; e, posteriormente, receberá outros reforçadores vindos da escola, da sociedade e da cultura.
Existem diferenças marcantes entre ser homem ou ser mulher. A depender do momento histórico, encontrar-se-ão reforçadores sociais que tentam validar, normatizar, essas diferenças. Por exemplo, é bastante comum convenções do tipo: menino joga bola versus menina brinca de boneca; menino usa azul versus menina usa rosa; homem faz trabalho braçal versus mulher faz o serviço delicado… No entanto, isso é muito mais uma construção social do que algo natural. A cultura dita padrões, regras, normas, tendências.
Dentro do sexo biológico, existe, ainda, o caso dos indivíduos que nascem com características masculinas e femininas no mesmo corpo, os chamados Intersexo. Atualmente, o jeito correto é dizer “pessoas com diferenças no desenvolvimento do sexo”. O termo “hermafrodita” foi usado durante muito tempo para se referir a esse grupo, porém não faz mais parte do vocabulário corrente.
2-Orientação Sexual/Orientação do Desejo:
diz respeito ao desejo, atração e interesse dirigidos à pessoa com quem se quer ter uma relação emocional-afetiva e/ou sexual. Não estamos falando de como a pessoa se sente, mas sim com quem ela deseja se relacionar.
Uma mulher lésbica se entende como mulher e se sente como mulher; sua sexualidade se dirige às mulheres. Do mesmo modo, um homem gay se compreende como homem e se sente como tal; ele sente atração por homens e vai querer se relacionar afetiva e sexualmente com eles. Os bissexuais, independente de serem homens ou mulheres, vão ter interesse em performar sua sexualidade tanto com homens quanto com mulheres.
Existem outras orientações do desejo, como por exemplo, a pessoa Pansexual, a pessoa assexual etc.
Gênero: este tema se subdivide em dois conceitos, sendo importante diferenciá-los. Temos, portanto, a Identidade de Gênero e a Expressão de Gênero.
3-Identidade de Gênero:
tem relação com o jeito como o indivíduo se compreende no mundo. É algo construído internamente, a partir das próprias experiências, emoções, sentimentos, pensamentos. Inclusive, uma parte dessa construção se opera num nível inconsciente. Isso gera uma percepção psicológica interna e individual, levando a pessoa a se perceber como homem ou mulher. Estamos falando de algo íntimo, subjetivo, privado, que pode permanecer oculto por anos, décadas e até a vida inteira.
Antes de explicarmos o quarto pilar – a Expressão de Gênero –, faz-se necessário esclarecer dois outros conceitos: Cisgênero e Transgênero. Vamos a eles:
Cisgênero: etimologicamente, essa palavra tem o prefixo “cis” derivado do latim, que quer dizer “deste lado de”. É um termo geral que se refere às pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento. É comum usar-se apenas “cis”.
Transgênero: aqui, o prefixo “trans” é designativo de que algo está “do outro lado de”. De acordo com a Doutora em Psicologia Social, Jaqueline Gomes de Jesus, transgênero é um “conceito guarda-chuva que abrange o grupo diversificado de pessoas que não se identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento”. É mais comum dizer simplesmente “trans”.
O quarto e último pilar:
4-Expressão de Gênero:
ao contrário da Identidade de Gênero, que é privada, a Expressão é aparente. É a expressão que fica visível ao mundo, como por exemplo, a aparência, o jeito de falar, vestir-se, comportar-se. Na maioria das vezes, essa expressão faz com que a pessoa seja vista como pertencendo a um determinado gênero; evidentemente, de acordo com a sociedade e cultura em que está inserida. Resumindo, é se expressar como cisgênero ou transgênero.
Ademais, dentro da Expressão de Gênero, existem os que não fazem parte desse binarismo, podendo expressar sua sexualidade de uma maneira neutra, os chamados Agêneros. Há, ainda, as pessoas Andróginas, que são os indivíduos que se expressam socialmente de modo comum a ambos os gêneros. São dezenas de expressões de gênero, ultrapassando o número de 50 possibilidades. Para conhecer mais sobre LGBTQIA+, clique aqui.
Quando a Identidade de Gênero não está em harmonia com o sexo biológico
De acordo com a sétima versão do WPath (Associação Mundial Profissional para a Saúde Transgênero), “a não-conformidade de gênero, ou variabilidade de gênero, refere-se ao grau em que a identidade, o papel ou a expressão de gênero difere das normas culturais prescritas para pessoas de um determinado sexo”.
É importante salientar, contudo, que essa variabilidade de gênero não implica necessariamente em desconforto para quem a vivencia. Muitos indivíduos convivem bem com isso e não sentem a necessidade de redesignação sexual, troca de nome, hormonização etc.
Por outro lado, uma parcela das pessoas sente extrema aflição e experimenta grande sofrimento. Estamos falando da Disforia de Gênero.
O que significa Disforia de Gênero?
O mesmo manual da Saúde Transgênero diz: “Disforia de gênero refere-se ao desconforto ou mal-estar causado pela discrepância entre a identidade de gênero de uma pessoa e o sexo a ela atribuído no momento do nascimento”.
Para tentarmos aclarar a questão da Disforia, usaremos um exemplo. Antecipadamente, o autor destas palavras pede desculpas, pois o caso a seguir, embora fictício, pode soar como lugar-comum e um tanto quanto caricato. Talvez seja mesmo… Contudo, a vida real não escapa dos clichês. A intenção não é ofender ninguém, mas apenas tentar mostrar um exemplo, entre tantos possíveis. O objetivo maior é a informação, a orientação e o entendimento sobre a sexualidade humana.
Beatriz nasceu mulher. Ela tinha um irmão um ano mais novo. Muitas vezes, durante a sua infância, Beatriz via seu irmão nu e percebia com curiosidade algumas diferenças entre seus corpos. Fazia perguntas aos pais, mas nunca se contentava com as respostas simplistas que eles lhe davam; quando insistia, era repreendida de forma veemente.
Na fase inicial da adolescência, quando os seios de Beatriz começaram a se desenvolver, ela percebia aquilo como algo que não lhe pertencia; eram sentimentos confusos, carregados de uma angústia indizível e que ela própria não entendia de onde vinha. Às vezes ela se perguntava se estava enlouquecendo. Tentava se abrir com a mãe, colocando seu sentimento para fora, mas era abafada com frases do tipo: “você não tem nada; isso é coisa da cabeça de adolescente; não coce aquilo que não está coçando!”
Alguns anos mais tarde, Beatriz entrou no limbo da juventude, momento em que já tinha o corpo de mulher plenamente desenvolvido. Sentia-se esmagada por uma intensa sensação de desconforto, mal-estar, tristeza e ansiedade. Agora, entretanto, tinha a questão claramente resolvida dentro de si: ela não aceitava seu corpo feminino. Em suma, Beatriz se percebia como homem, embora estivesse num corpo de mulher.
Podemos ver que existe uma falta de congruência, um sentimento de desarmonia e inconformidade no exemplo dado. É difícil para qualquer pessoa ter uma vida plena e feliz sentindo-se assim. A principal questão que se coloca na Disforia de Gênero é o sofrimento. Esse sofrimento pode levar a pessoa a desenvolver Depressão, Síndrome do Pânico e outros transtornos mentais.
Perceba que em nenhum momento foram feitas alusões sobre a orientação sexual de Beatriz, ou seja, se o seu desejo de ligação afetiva-emocional e/ou sexual era heterossexual, homossexual ou bissexual.
Nas questões relativas à sexualidade, é imperativo desfazer um equívoco comum, qual seja, o de que a não-conformidade de gênero tem relação direta com a orientação do desejo. Gênero e orientação podem se comunicar, mas não, não existe nenhuma relação de causalidade entre Identidade de Gênero e Orientação Sexual. Dito de outra forma, Beatriz poderia se interessar por mulheres, por homens, ou por ambos, a despeito de se perceber como homem mesmo tendo biologicamente um corpo de mulher.
Beatriz deveria passar por um processo de transição, a fim de harmonizar sua identidade de gênero com o seu corpo?
A partir daí, em sendo “sim” como resposta possível, surgem outros questionamentos: Como se daria essa transição? Beatriz se tornaria uma pessoa mais feliz? Como seria a sua vida após a transição?
São muitas as dúvidas. Consideramos ser um tema que merece um mergulho profundo, pois apresenta questões multifacetadas: mudança de nome, hormonização, cirurgia de redesignação sexual, preconceitos, estrutura da rede pública, apoio psicológico, etc.
Tentou-se colocar neste texto uma visão geral, não acadêmica, da maneira mais simples possível, para que as informações pudessem ser entendidas por pessoas que não têm familiaridade com os temas ligados à sexualidade. Para quem deseja se aprofundar, seguem abaixo algumas fontes de pesquisa confiáveis.
Uma nova discussão relacionada às pessoas que transicionaram de um sexo para outro, será tratada em um post exclusivo.
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Fontes:
LGBTIs – Tentativas de Aniquilamento de subjetividades (Conselho Federal de Psicologia)
DSM V – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
WPath – Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero
Orientações sobre Identidade de Gênero: Conceitos e Termos (Jaqueline Gomes de Jesus)
Scielo: www.scielo.org
Associação Nacional de Travestis e Transexuais: www.antrabrasil.org